O grande declínio cognitivo
Por Giuliano Miotto, advogado, escritor e cientista político.
Um dos efeitos deletérios da chamada “polarização política” se traduz na incapacidade da maioria das pessoas de conseguir fazer uma análise objetiva dos fatos e dos cenários que se desdobram na geopolítica mundial e no jogo político local. É notório o declínio cognitivo das pessoas, independente do seu espectro político. Na ânsia de analisar os acontecimentos com base em fundamentos binários do tipo esquerda versus direita, as pessoas são induzidas a conclusões precipitadas e, na maioria das vezes, completamente equivocadas.
Dito isso, convido meus leitores a refletirem sobre a situação atual envolvendo o anúncio das tarifas de 50% feito pelo Trump em relação ao Brasil. Quem é de esquerda, basicamente, só consegue ver a questão como se fosse uma suposta tentativa de subversão americana à nossa maravilhosa “soberania”, que precisamos lutar contra o “imperialismo americano” e que a culpa seria da “família Bolsonaro”. Já quem é de “direita”, acredita de forma pueril que o Trump estaria defendendo nossa “liberdade de expressão”, que ele se preocupa de verdade com o destino político do ex-presidente e que ele seria uma espécie de “herói” do conservadorismo, defendendo o mundo dos “comunistas”.
Pode até ser que essas análises enviesadas tenham algum fundo de verdade, e não quero com este breve artigo me apresentar como o detentor da verdade, muito menos ser o grande analista político que vai apresentar ao mundo a visão correta dos fatos. Quero apenas fazer as seguintes reflexões:
– No cenário interno dos EUA, Trump está passando por enormes desgastes com o movimento MAGA, tendo em vista que ele se recusa a cumprir algumas das principais promessas de campanha, como abrir os arquivos do caso Epstein, parar de financiar a guerra na Ucrânia e agir de forma mais contundente contra o “estado profundo”;
– O Brasil tem uma das maiores reservas de terras raras do mundo e interessa aos EUA ter aqui um governo subserviente a seus objetivos, pouco importando o viés político;
– A dívida pública externa e interna dos EUA está em níveis alarmantes, o que tem demandado a necessidade de se desvalorizar o dólar mundialmente, fato que pode explicar as constantes ações dúbias de Trump, que ora diz uma coisa, ora faz outra;
– A China está passando por diversas e profundas crises internas, inclusive com uma possível queda do Xi Jinping, fato que pode gerar quebras de acordos comerciais e instabilidade econômica mundial;
– A Rússia está a poucos passos de entrar em uma guerra contra a União Europeia (OTAN) e isso pode inclusive envolver o uso de armas nucleares;
– O Oriente Médio continua sendo uma enorme bomba relógio e os conflitos envolvendo Israel podem se agravar ainda mais.
Poderia listar mais um bocado de outros indicadores de que o mundo caminha para um iminente colapso de proporções apocalípticas, porém deixo a reflexão de que em situações de caos generalizado, pouco importam as ideologias ou preferências políticas, as pessoas entram em modo de sobrevivência. Enfim, temos esse enorme desafio de sair das garras do maniqueísmo político-cognitivo. Em geopolítica, nem tudo se resume ao velho esquema da luta entre o bem contra o mal.