STF: Barroso publica carta em resposta a Trump e diz que no Brasil de hoje ‘não existe perseguição’
Carta pública critica “compreensão imprecisa” dos fatos
Neste domingo (13), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso, divulgou uma carta pública em defesa da democracia e da atuação do Judiciário brasileiro. A manifestação veio após os Estados Unidos anunciarem sanções econômicas ao Brasil, justificadas por uma suposta perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro — argumento que Barroso classificou como uma “compreensão imprecisa” dos eventos recentes.
“As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas fazem parte da vida democrática. Mas isso não dá a ninguém o direito de distorcer a verdade ou negar fatos que todos testemunharam”, destacou o ministro.
Primeira reação oficial do STF ao anúncio americano
Essa foi a primeira vez que o Supremo se manifestou diretamente sobre a decisão do governo americano, especialmente após declarações de Donald Trump acusando a Corte brasileira de perseguição política. Na carta, Barroso reiterou que a democracia brasileira garante espaço para todas as ideologias, desde que respeitados os valores constitucionais e a verdade dos fatos.
Além disso, o ministro reafirmou o papel do STF como garantidor do Estado democrático de direito, ao lado do Congresso Nacional e do Poder Executivo.
Histórico de rupturas institucionais
Barroso também fez um resgate histórico das tentativas de golpe e das quebras da legalidade no país ao longo das últimas décadas. Ele citou episódios marcantes, como a Intentona Comunista de 1935, o golpe militar de 1964, o AI-5 de 1968 e o fechamento do Congresso em 1977, entre outros. Segundo o ministro, a preservação da democracia é uma conquista recente e ainda frágil, que precisa ser protegida continuamente.
“Levamos muito tempo para superar os ciclos do atraso. Não podemos normalizar ameaças à ordem constitucional”, escreveu.
Golpe e ameaças recentes
A partir de 2019, novos ataques ao regime democrático passaram a ser investigados pelo STF. Entre os episódios mencionados por Barroso estão:
-
Tentativa de atentado a bomba no aeroporto de Brasília;
-
Explosão planejada contra a sede do STF;
-
Falsas acusações de fraude eleitoral;
-
Relatórios militares alterados sobre as urnas eletrônicas;
-
Campanhas por intervenção militar após eleições;
-
Plano, segundo a PGR, para assassinar o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro Alexandre de Moraes.
Para o presidente do STF, foi necessário que a Corte agisse com firmeza diante das ameaças, a fim de evitar o colapso institucional, como já ocorreu em outras nações da América Latina e do Leste Europeu.
Julgamento dos responsáveis pelo 8 de janeiro
Barroso reafirmou o compromisso da Suprema Corte com o devido processo legal. Disse que o julgamento da denúncia sobre a tentativa de golpe será feito com base nas evidências, com respeito ao contraditório e em sessões públicas, como manda a Constituição.
“Se houver provas, os culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim funciona o Estado democrático de direito”, pontuou.
Liberdade de expressão não é ameaçada
Em resposta indireta às críticas de Trump sobre liberdade de expressão, o ministro destacou que o Brasil de hoje vive em um ambiente democrático pleno. Lembrou que quem não viveu períodos de ditadura não compreende a gravidade de regimes que perseguem juízes, censuram a imprensa e promovem tortura.
“Não se persegue ninguém no Brasil. Realiza-se justiça com base nas provas.”
Regulação das redes sociais é moderada
Barroso também comentou o papel do STF nas discussões sobre liberdade de expressão nas plataformas digitais. Afirmou que o tribunal buscou um equilíbrio entre a liberdade e a responsabilidade ao decidir que conteúdos criminosos devem ser removidos mediante ordem judicial ou mecanismos automáticos, no caso de crimes como pornografia infantil e terrorismo.
O ministro classificou a solução brasileira como “uma das mais avançadas do mundo” e menos rigorosa do que a adotada na Europa.
Compromisso com a democracia
Encerrando a carta, o presidente do STF reiterou o compromisso do Judiciário com a soberania nacional, a democracia e os direitos fundamentais.
“O Judiciário está ao lado de quem trabalha pelo Brasil e permanece firme na defesa dos valores que nos unem: liberdade, justiça e democracia.”
Veja abaixo a íntegra da carta do Ministro Luíz Roberto Barroso
Carta do Presidente do Supremo Tribunal Federal – Ministro Luís Roberto Barroso
“Em 9 de julho último, foram anunciadas sanções que seriam aplicadas ao Brasil, por um tradicional parceiro comercial, fundadas em compreensão imprecisa dos fatos ocorridos no país nos últimos anos. Cabia ao Executivo e, particularmente, à Diplomacia – não ao Judiciário – conduzir as respostas políticas imediatas, ainda no calor dos acontecimentos. Passada a reação inicial, considero de meu dever, como chefe do Poder Judiciário, proceder à reconstituição serena dos fatos relevantes da história recente do Brasil e, sobretudo, da atuação do Supremo Tribunal Federal.
As diferentes visões de mundo nas sociedades abertas e democráticas fazem parte da vida e é bom que seja assim. Mas não dão a ninguém o direito de torcer a verdade ou negar fatos concretos que todos viram e viveram. A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. A oposição e a alternância no poder são da essência do regime. Porém, a vida ética deve ser vivida com valores, boa-fé e a busca sincera pela verdade. Para que cada um forme a sua própria opinião sobre o que é certo, justo e legítimo, segue uma descrição factual e objetiva da realidade.
Começando em 1985, temos 40 anos de estabilidade institucional, com sucessivas eleições livres e limpas e plenitude das liberdades individuais. Só o que constitui crime tem sido reprimido. Não se deve desconsiderar a importância dessa conquista, num país que viveu, ao longo da história, sucessivas quebras da legalidade constitucional, em épocas diversas.
Essas rupturas ou tentativas de ruptura institucional incluem, apenas nos últimos 90 anos: a Intentona Comunista de 1935, o golpe do Estado Novo de 1937, a destituição de Getúlio Vargas em 1945, o contragolpe preventivo do Marechal Lott em 1955, a destituição de João Goulart em 1964, o Ato Institucional nº 5 em 1968, o impedimento à posse de Pedro Aleixo e a outorga de uma nova Constituição em 1969, os anos de chumbo até 1973 e o fechamento do Congresso, por Geisel, em 1977. Levamos muito tempo para superar os ciclos do atraso. A preservação do Estado democrático de direito tornou-se um dos bens mais preciosos da nossa geração. Mas não foram poucas as ameaças.
Nos últimos anos, a partir de 2019, vivemos episódios que incluíram: tentativa de atentado terrorista a bomba no aeroporto de Brasília; tentativa de invasão da sede da Polícia Federal; tentativa de explosão de bomba no Supremo Tribunal Federal (STF); acusações falsas de fraude eleitoral na eleição presidencial; mudança de relatório das Forças Armadas que havia concluído pela ausência de qualquer tipo de fraude nas urnas eletrônicas; ameaças à vida e à integridade física de Ministros do STF, inclusive com pedido de impeachment; acampamentos de milhares de pessoas em portas de quarteis pedindo a deposição do presidente eleito. E, de acordo com denúncia do Procurador-Geral da República, uma tentativa de golpe que incluía plano para assassinar o Presidente da República, o Vice e um Ministro do Supremo.
Foi necessário um tribunal independente e atuante para evitar o colapso das instituições, como ocorreu em vários países do mundo, do Leste Europeu à América Latina. As ações penais em curso, por crimes diversos contra o Estado democrático de direito, observam estritamente o devido processo legal, com absoluta transparência em todas as fases do julgamento. Sessões públicas, transmitidas pela televisão, acompanhadas por advogados, pela imprensa e pela sociedade.
O julgamento ainda está em curso. A denúncia da Procuradoria da República foi aceita, como de praxe em processos penais em qualquer instância, com base em indícios sérios de crime. Advogados experientes e qualificados ofereceram o contraditório. Há nos autos confissões, áudios, vídeos, textos e outros elementos que visam documentar os fatos. O STF vai julgar com independência e com base nas evidências. Se houver provas, os culpados serão responsabilizados. Se não houver, serão absolvidos. Assim funciona o Estado democrático de direito.
Para quem não viveu uma ditadura ou não a tem na memória, vale relembrar: ali, sim, havia falta de liberdade, tortura, desaparecimentos forçados, fechamento do Congresso e perseguição a juízes. No Brasil de hoje, não se persegue ninguém. Realiza-se justiça, com base nas provas e respeitado o contraditório. Como todos os Poderes, numa sociedade aberta e democrática, o Judiciário está sujeito a divergências e críticas. Que se manifestam todo o tempo, sem qualquer grau de repressão.
Ao lado das outras instituições, como o Congresso Nacional e o Poder Executivo, o Supremo Tribunal Federal tem desempenhado com sucesso os três grandes papeis que lhe cabem: assegurar o governo da maioria, preservar o Estado democrático de direito e proteger os direitos fundamentais. Por fim, cabe registrar que todos os meios de comunicação, físicos e virtuais, circulam livremente, sem qualquer forma de censura. O STF tem protegido firmemente o direito à livre expressão: entre outras decisões, declarou inconstitucionais a antiga Lei de Imprensa, editada no regime militar (ADPF 130), as normas eleitorais que restringiam o humor e as críticas a agentes políticos durante as eleições (ADI 4.1451), bem como as que proibiam a divulgação de biografias não autorizadas (ADI 4815). Mais recentemente, assegurou proteção especial a jornalistas contra tentativas de assédio pela via judicial (ADI 6792).
Chamado a decidir casos concretos envolvendo as plataformas digitais, o STF produziu solução moderada, menos rigorosa que a regulação europeia, preservando a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de empresa e os valores constitucionais. Escapando dos extremos, demos um dos tratamentos mais avançados do mundo ao tema: conteúdos veiculando crimes em geral devem ser removidos por notificação privada; certos conteúdos envolvendo crimes graves, como pornografia infantil e terrorismo devem ser evitados pelos próprios algoritmos; e tudo o mais dependerá de ordem judicial, inclusive no caso de crimes contra honra.
É nos momentos difíceis que devemos nos apegar aos valores e princípios que nos unem: soberania, democracia, liberdade e justiça. Como as demais instituições do país, o Judiciário está ao lado dos que trabalham a favor do Brasil e está aqui para defendê-lo.”