De acordo com dados da Abicom (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), 63,6% do diesel comprado de fora pelo Brasil neste ano veio do país de Putin. O índice era de 50,4% em 2023.
Lula enumerou as razões de sua presença em Moscou, em meio a dezenas de ditadores e autocratas, fato muito criticado na Europa: “Primeiro, porque a Rússia é um bom parceiro comercial”. Naquele momento, chanceleres do bloco definiam os contornos do 17º pacote de sanções contra o país, em que a chamada “shadow fleet”, a frota fantasma que transporta o petróleo russo driblando restrições, é o principal alvo.
São por enquanto 350 petroleiros, responsáveis pelo escoamento de 85% do petróleo russo, que desde a invasão da Ucrânia em 2022 e a série de sanções econômicas lançadas por União Europeia e EUA se tornou um produto em oferta. Os principais compradores são China e Índia, parceiros de Brasil e Rússia nos Brics. Ainda que não sejam clandestinas, as transações sofrem inúmeros percalços para chegar aos compradores.
Segundo documento elaborado pela Abicom, os embarques do combustível ocorrem apenas pelos portos de Primorsk, Vigotski, São Petersburgo e Ust-Luga, todos localizados na região de São Petersburgo.
Para chegar ao Brasil, os navios atravessam o golfo da Finlândia, o mar Báltico, os estreitos dinamarqueses, o mar do Norte e o canal da Mancha em um trajeto que leva aproximadamente 24 dias até o porto de Santos. São de quatro a cinco dias a mais do que o caminho de importações provenientes dos EUA.
“Apesar das rotas mais longas em comparação às originárias do golfo do México, da passagem por trechos críticos e pelas costas de diversos países membros da Otan, os derivados de petróleo russos vêm se consolidando no mercado brasileiro”, diz a associação.
Desde o último fim de semana, com a iminência da aprovação do pacote de Bruxelas, aos trechos críticos se somaram escaramuças militares. No domingo (18), um petroleiro de bandeira grega, que havia deixado um porto na Estônia, foi abordado pela marinha russa em uma rota de trânsito negociada.
Dias antes, um caça Sukhoi Su-37 invadiu o espaço aéreo estoniano depois que um navio carregando óleo russo foi escoltado para fora do mar territorial do país. O tom de retaliação ficou evidente.
“Quanto mais tempo a Rússia continuar em guerra, mais dura será a nossa resposta”, declarou em rede social Kaja Kallas, a chanceler da União Europeia, adiantando que a 18ª edição de sanções já está em preparação. Um novo lote de navios que transportam petróleo russo devem ser atingidos, assim como já se discute no âmbito do G7 diminuir o teto do produto de US$ 60 para US$ 50 –o sistema limita o prêmio pago por seguradoras, o que torna a operação ou menos lucrativa ou mais arriscada.
A retórica europeia sobre o problema, no entanto, foi muito além, na última semana.
Jean-Noël Barrot, ministro de Relações Exteriores da França, afirmou ver com interesse legislação gestada no Congresso dos EUA pelo senador Lindsey Graham. O republicano linha-dura da Carolina do Sul propõe 500% de tarifa sobre os negócios russos, incluindo os países que mantêm comércio com Moscou. Questionada sobre a proposta em Tirana, na Albânia, na última sexta-feira (16), a presidente da União Europeia, Ursula von der Leyen, declarou apenas estar em contato próximo com o senador.
Barrot tem se notabilizado por usar um tom acima nas negociações transatlânticas. No auge da guerra comercial instalada por Trump, no mês passado, foi o primeiro a anunciar que a Europa colocaria as big techs americanas no pacote de retaliações. Dias depois, Von der Leyen confirmou a ameaça.
Ainda que o pacote europeu não consiga interromper o trânsito de petroleiros e renovar a discussão de tarifas com países como a China seja algo impensável neste momento, a influência sobre o preço do óleo russo já é uma realidade. No caso do diesel, a vantagem em relação ao produto americano, que já chegou a ser de R$ 0,15 por litro, caiu para algo entre R$ 0,03 e R$ 0,04.
Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), as importações são feitas por empresas de todos os portes, desde pequenas distribuidoras regionais de combustíveis às gigantes Ipiranga e Vibra (antiga BR Distribuidora).
A Petrobras não compra diesel russo, preferindo buscar o produto nos EUA, na Índia ou em países árabes. A estatal foi responsável por um terço das importações brasileiras de diesel no ano passado. No setor privado, no entanto, as compras da Rússia são a maioria.
Executivos do setor ouvidos pela Folha dizem que as grandes distribuidoras já vinham adotando cautela para evitar a compra de produtos de fornecedores alvos de sanções. Vibra e Ipiranga, por exemplo, têm ações em Bolsa e temem o risco de punições por descumprir as sanções.
Segundo pessoas do mercado, há empresas nacionais de menor porte ainda comprando desses fornecedores. As negociações são feitas na modalidade “entregue no porto”, que dá ao vendedor toda a responsabilidade de encontrar o produto e o navio para trazê-lo ao Brasil.
O aumento das sanções, diz o setor, deve restringir ainda mais a compra pelas grandes empresas, que terão que buscar outras fontes do combustível, com algum impacto sobre o preço de bomba dos produtos.