Colunistas

Divórcio aos 100 anos: o que o caso de Inhumas nos ensina sobre família e direitos na terceira idade

  Por Dra. Leticia Rezende – Advogada especialista em Direito de Família

 

Nos últimos dias, um caso em Inhumas ganhou repercussão nacional: o aposentado João Antônio Simões, prestes a completar 100 anos, foi surpreendido com o fim do casamento de mais de três décadas. Segundo familiares, sua esposa saiu de casa levando diversos bens, deixando o idoso, cadeirante, com limitações na fala e problemas cardíacos, em situação de vulnerabilidade.

A notícia gerou indignação entre filhos e netos, que se mobilizaram para prestar cuidados e apoio ao patriarca da família. Para além da comoção, o episódio levanta discussões importantes no campo do Direito de Família e do Estatuto do Idoso.

O Direito ao Divórcio em Qualquer Idade

No Brasil, desde a Emenda Constitucional nº 66/2010, qualquer pessoa pode se divorciar de forma unilateral e sem necessidade de justificar motivo. Ou seja, ainda que choque socialmente, o direito ao divórcio existe para todos, inclusive para quem já tem idade avançada. O fim de um casamento é, juridicamente, um ato de autonomia da vontade.

Contudo, isso não significa que a forma como ele é conduzido não traga consequências jurídicas e sociais. Especialmente quando envolve pessoas idosas, é necessário avaliar se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, sua dignidade e, sobretudo, sua proteção contra abandono e maus-tratos.

Dever de Assistência e o Estatuto do Idoso

A Constituição Federal e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) asseguram que pessoas acima de 60 anos devem ter prioridade absoluta na efetivação de seus direitos. Isso inclui o direito a uma vida digna, cuidados de saúde, convivência familiar e proteção contra negligência ou violência patrimonial.

Quando há sinais de que o idoso foi deixado em situação de desamparo, como neste caso, em que os familiares relatam que a esposa teria levado eletrodomésticos essenciais, é possível questionar judicialmente a conduta, inclusive por meio de ação de alimentos, pedido de curatela ou até denúncia ao Ministério Público, se houver indícios de abandono.

Família como Rede de Proteção

O caso também revela um aspecto positivo: a força da família como rede de apoio. Filhos que mudaram de rotina, netos que se organizaram para suprir necessidades e até parentes que moram fora do país se mobilizando para garantir que João seja assistido.

O Direito de Família não trata apenas de divórcios e partilhas, mas também da solidariedade intergeracional, ou seja, a responsabilidade de filhos ajudarem pais idosos e vice-versa. Essa obrigação está prevista no artigo 229 da Constituição Federal e no artigo 1.696 do Código Civil, que reconhece o dever de alimentos entre ascendentes e descendentes.

Reflexão Final

O divórcio de um idoso de quase 100 anos pode parecer um acontecimento extraordinário, mas na verdade expõe algo que muitos brasileiros enfrentam em silêncio: o envelhecimento acompanhado de vulnerabilidades físicas, emocionais e patrimoniais.

Mais do que o debate sobre certo ou errado no fim de um casamento, o que fica é a necessidade de garantir que a pessoa idosa não seja desamparada. A dignidade deve ser preservada, e o Direito de Família é um instrumento fundamental para isso.

Enquanto a família de João se organiza para preparar sua festa de 100 anos, fica também a lição de que envelhecer com dignidade é um direito e que cada um de nós, como sociedade, tem responsabilidade nesse processo.

 

Por Dra. Leticia Rezende
Advogada especialista em Direito de Família
Colunista do Jornal Diário Online
Instagram: @leticiarezende_adv

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *