Que fique claro: para salvar a democracia, ano que vem é melhor você ficar calado durante as eleições
Por José Caio Vaz – Advogado
Moraes afirma que condenação de ‘núcleo da desinformação’ da trama golpista cria precedente para eleições do proximo ano.
O ministro Alexandre de Moraes voltou a transformar um julgamento em palanque. Ao afirmar que a condenação do chamado “núcleo da desinformação” da suposta “trama golpista” criará um precedente para as eleições do próximo ano, o relator do caso no Supremo Tribunal Federal ultrapassa, mais uma vez, o limite que separa o papel de juiz do papel de fiscal ideológico do discurso público.
É preciso dizer o óbvio: criticar o sistema eleitoral não é crime. A Constituição de 1988 garante a todos os brasileiros o direito fundamental à liberdade de expressão, que compreende o debate político, inclusive o questionamento das instituições. A democracia não se sustenta na unanimidade, mas no dissenso. O cidadão tem o direito de desconfiar, de criticar, de protestar — desde que o faça sem recorrer à violência ou incitação golpista.
Ao transformar a crítica em “desinformação” e a opinião divergente em “ataque à democracia”, o Supremo cria uma categoria nova de crime — uma figura penal sem previsão legal. E isso afronta outro princípio básico do Estado de Direito: o princípio da legalidade. Nenhum cidadão pode ser punido por um ato que a lei não defina claramente como crime. Nenhum tribunal tem o poder de inventar delitos a partir de conceitos vagos como “fake news” ou “desinformação”.
A fala de Moraes é preocupante não apenas pelo conteúdo, mas pelo tom de advertência: “que sirva de alerta para as eleições do ano que vem”. Ora, o Poder Judiciário não existe para intimidar eleitores, jornalistas ou cidadãos, mas para aplicar a lei com imparcialidade. Quando um ministro do Supremo usa o processo penal como exemplo pedagógico, o que se tem não é Justiça — é um tribunal de intimidação.
Combater mentiras e manipulações é legítimo, mas essa tarefa não pode ser feita à custa da liberdade. A fronteira entre combater a desinformação e censurar o pensamento é tênue — e o Supremo, sob o comando de Moraes, parece cada vez mais disposto a cruzá-la.
O Brasil já viveu períodos em que o Estado decidia o que podia ou não ser dito. Sabemos onde isso leva. Quando o poder de censura se disfarça de proteção à democracia, é a própria democracia que começa a morrer, lentamente, sob aplausos.